Num dia desses, carcomidos
Pelos meses perdidos
Eu esquecia minha vida
Como um lacaio seguia
Mas, uma figura fraudulenta me avistou
E a mim veio mancando
E, com suas passadas subversivas
Fazia as poças tristes espirrarem
Agitando suas lamas magoadas
Em meio à sarjeta grisalha
Veio trajando as noites passadas
E penteado pelo vento da tarde
Mas sorria como quem vivia
Loucamente um novo momento
- Não me trates como um bardo no exílio
Nem um bebum que anda chato
Tampouco um fracassado poeta
ou um aspirante a asceta
Não passo de uma pessoa
que acha, que ri e que chora
E se me permites
quero te ver mais feliz
como meu sorriso lhe diz
Então lhe convido para amar
Também, comigo, o meu maior amor
Que, como me encanta a noite
talvez lhe encante o dia
talvez lhe acenda
sua saudade de alegria
lhe chova águas mornas
e lhe lembre um sol nascente
lhe seja um vinho que entornas
e lhe excite como bela gente
Que lhe afrouxe a gravata
e, enfim, carregue sua pasta
Dito isto,
me arregalei
aturdido, contestei
-de que falas
meu sonhador recaldado
o que lhe faz
Ser tão bem amado ?
Numa reverência bailante
O barbado de olhos amendoados
Laçou uma maleta
de couro, quase preta
E, dum bom veludo,
Fortemente avermelhado
Subiu um violino
lindamente envernizado
Com a barba roçando a madeira
e os dedos sobre os finos fios
o arco pôs-se a tanger
senti o eco gemer
Começou um lamento, tristonho,
agudo como uma agulha
Suplicando minha ajuda
Cerrei meu olhos
Mas os ganidos mudaram de ideia
trataram de se levantar
e gritar para o sol a brilhar
As faíscas de notas novas
Me pareceram camponesas que brincavam
criancinhas que giravam
Sutilezas inocentes
Pipocas e presentes
que caíam,
numa garoa de cores
sobre o gramado da liberdade
Aquela bruma então foi subindo
de volta aos céus
E, em minha frente restou
o mágico curvado
De novo eu estava sozinho
Esquecido no meu ninho
O sentimento que fervia
em minha alma febril
Encontrou-se só
Sem respaldo no silêncio
A vida então regou
a minha tarde viciada
Pela primeira vez brotou
minha lágrima guardada
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