quinta-feira, 26 de julho de 2012

A antítese da ansiedade


Essa minha reflexão talvez seja  vazia de importância ou de significado palpável para um leitor encabrestado em suas próprias desimportâncias  e devaneios diferentes dos meus. Mas, aqueles que seguirem a mesma estrada que meu pensamento, que tremerem ao atravessar o mesmo rio turvo de perturbações, sobre a mesma pinguela verdejante e escorregadia, talvez consigam assimilar as próximas linhas. E talvez se enternecer como eu me enterneceria caso visse esse meu devaneio escrito pelas mãos de outro viajante que pensasse em sincronia comigo. Mas deixemos de lado as milhares de alternativas situacionais, e situemo-nos na presente, em que eu sou o mensageiro dessa singela reflexão,  que leva os seus passageiros específicos para uma viagem embriagada  para dentro de si. Uma abstração que amolece o corpo e faz ele ficar babando como um vegetal molhado. Dito isto, começo a destrinchar este poço subconsciente.
Reluto em dizer que sinto ansiedade agora. Não digo isso apenas pela conotação de fraqueza da ansiedade, que traz uma imagem trepidante, insegura. Aquela imagem de quem não consegue carregar a sua própria independência mental durante as esperas angustiantes que a vida nos provoca. É certo que a relutância já traduz, então, essa insegurança por sentir-se inseguro. Melhor dizendo, se eu reluto em assumir a minha ansiedade, é porque é natural que eu tenha medo de ser inseguro e, esse medo, é a própria essência ocultada da própria insegurança.
Nesse momento, por mais essa minha fuga natural da ansiedade seja presente e esclarecida, não é ela que me faz escrever estas linhas tão tortas e jogadas. À partir do momento que tomo consciência desse medo, eu não o domino, mas o entendo e aceito.
 Assim, o que me leva a temer esta ansiedade palpitante é, enfim, a sua natureza não-poética. Não há ternura nenhuma num pensamento ansioso, não há nenhuma admiração do momento que está sendo vivido. O que há é uma vontade maléfica de fazê-lo ir embora, sem que se perceba a sua beleza, a sua sutileza, o seu mistério e, por fim, a sua poesia. O regogizo interno é imobilizado e deixado cego pela  ânsia. Ansiamos por futilidades futuras, queremos ignorar o passar do tempo numa vida curta.
O que realmente me incomoda não é a fraqueza da ansiedade, e sim o que me traz a ansiedade. Geralmente são motivos bestas e sem nenhuma necessidade verdadeira que trazem essa sensação de sentir-se alfinetado e com coceiras pelo corpo. Um grito que é sufocado por uma rolha de ansiedade, um não-viver tolo e monótono, causado pela necessidade de um estímulo externo para despertar a homem e aquietar suas agitações. Esse estímulo pode ser um telefonema, uma palavra dirigida, um dia, uma compra. Variam bastante em sua estupidez.
Agora, destrinchada e esclarecida essa raiva da ansiedade, explicarei o motivo da minha. Aquele que perpetua a minha angústia e me arrancava os cabelos há pouco. E é justamente este motivo que me permite escrever sobre essa ansiedade em particular, pois ele é diferente. Não posso afirmar que ele deixa de ser fútil, mas certamente não o julgo como mau. Afinal, é poético. Ou, ao menos, deseja ser.  Indo um pouco mais longe, a ansiedade que sinto é pela falta de poesia na vida, ou seja, é pela falta de viver. Então talvez nem seja ansiedade, talvez seja o oposto dela. Mas a sensação se assemelha, o aperto no peito e o imaginar situações longíncuas e prazerosas, que justifico estarem longe do meu alcance, o que não é verdade, é apenas uma comodidade. O que descrevo aqui é quase uma ansiedade para fugir da ansiedade rotineira e neurótica das nossas vidas modernas e urbanas. Por isso não fujo dela e a encaro, descrevendo em todas essa letras e palavras desconjuntadas o meu sentimento ambíguo. Prossego então, com meu devaneio.
Eu estava na cozinha, preparando um café, quando me deparei com uma janela aberta à minha frente. O branco da cozinha estava acinzentado pela sobra do fim da tarde, que pairava dentro do meu apartamento fechado. Essa cor estava sendo humilhada por uma centelha de um pôr-do-sol atrasado. Entre os contornos de dois prédios, cujas faces em penumbra estavam voltadas para a minha janela, vi um laranja avermelhado esparramando-se céu acima. O azul estava comprimido entre essa radiante fogueira  luminosa e um roxo crepuscular que baixava com o cair da noite.
O sol já havia baixado por de trás de um outro prédio menor, localizado entre os dois maiores que emolduravam as laterais da efêmera pintura. Eu via apenas os rastros abrasados daquele sol fugitivo. E, assim, senti uma triste saudade dele e de todos os outros sóis que eu vi e vivi, e acabei perdendo para os horizontes distantes. E foi dessa saudade que veio aquela ânsia justificada.  A multidão de preguiças, almoços pontuais, programas de televisão, redes sociais e sonos em que eu mesmo me trancava no meu apartamento, sufocava os meus sonhos juvenis de viver. Me faziam esquecer minhas vontades e aspirações futuras de ganhar o mundo com botas, esboçar sorrisos por todos os continentes, recitar poemas para todas as moças que eu me apaixonar, tocar violão diante dos sóis poentes e nascentes. Sonhos que me davam vontade de usar várias vezes a mesma calça suja de terras distantes, de sobreviver à ermo, jogando para o alto todas as minhas prisões rotineiras.
Por isso eu estou roendo as minhas unhas crescidas que eu deixara crescer pela primeira vez, para tentar dedilhar com mais destreza e sonoridade a minha viola descansada. Vejo, triste, mais um pôr-do-sol perdido e choro por todos que ando perdendo pela minha vida, e que sei que perderei ainda anos à fio, deitado em cama doente. Sendo sugado pelo computador sobrecarregado.
Cansei de ser todo dia lembrado de desligar a máquina de café e de todo dia apagar as luzes, para depois ter que reacendê-las novamente. Cansei de não fazer nada, enquanto a ciranda celeste gira em torno do meu mundo sem me chamar a atenção.
Mais um pôr-do-sol que eu perco. O sol desce e a lua sobe. Ela baila com as estrelas e se esconde de novo. Então o sol sobe e reinicia a ciranda celeste. Sol e lua, revezando a pintura com suas poses imponentes. Dando voltas sobre minha cabeça, enquanto meus cabelos caem silenciosamente. E eu fico aqui, empacotado em minhas roupas, rangendo os meus dentes.

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