segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Sacrilégio

As tardes são macias
mas talvez me engano
e as confundo
com as manhãs
pois
há séculos esqueci
o que vem a ser
um ser vivo de dormir.

Zumbis, sigam-me
carregando a tevê
Cantando canções decoradas
Pois, sendo tarde ou manhã
será tudo macio, maciozinho
um sofá
Sim, isso,
- A vida é um grande sofá...

Ironia, xingam "nojento"
o preguiçoso que diz
- Deixa roubarem, matarem,
morrerem de fome...
Que fica só lá no sofá
Com as nossas tardes macias
E as tevês bonitas,
a mulher trazendo o bebê calado,
a cerveja num copo gelado...
Hm, que sonho...

Mas é mesmo um sonho, oras...

Sim, para que preocupar então?
Cante a Ode do zumbi:
"Sou assim serei zumbi
do jeito que ninguém quis
do jeito que eu sou feliz,
zumbi da vida,
alien da terra.
O certo que erra."


Soneto da Madrugada


É a madrugada que nunca acaba,
num braço dormente ao lado,
essa voz que se alastra calada.
O pesadelo qu'eu temo acordado.

Fujo, correndo sem nem me erguer.
O relógio é só zero-zero.
Batalho pro sangue escorrer
mas nu ao seu lado, mio, me melo.

Um vampiro no quarto entrou.
Só você não acordará.
Lá fora ele conta quem sou.

Só você não saberá nada
Do vago sumiço do amor
Da espera que nunca acaba


quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Ele caminha sempre na noite

Amigo, a tarde está azul...
E como eu adoro tardes azuis.
Me diz, qual o teu maior sonho?
Assim, aquilo que mais lhe vem à cabeça?

-Que não tenho rumo...

Como assim não tens rumo? Isso não é sonho!

- É sim.

Mesmo com essa tarde azul, você fica sem rumo?

- Mesmo com cem tardes rosas e seus gordos sóis eternos.

Mas, explique-me isso,
como se perde o rumo,
se está tudo claro
debaixo destes sóis eternos?

- Porque nada está claro...

Mas e o papo de tarde rosa, com o tal sol gordo e bonito, como fica?

- Tudo merda, besteira, xerox televisivo, desacredite.

Mas que inferno, explica essa coisa direito maluco! Porque besteira?

- Porque sim...

Porque, porra?

- Porque eu sou sol. E caminho sempre na noite.

[silêncio, faíscas, explosões, noite]

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Natal

Vida longa ao rei
Que a cascavel lhe coma o focinho
Que a coroa enferruje na chuva
Que ele aprenda a secar louça suja
Que ele aceite bem o toucinho
e coma tudo
sem reclamar
da cor do céu azul.
Só assim ele conseguirá
reclamar da rainha reclamando
de bigodes espetando
a sua virilha real.
Nada mal, prum aprendizado de carnaval.
Vida longa ao rei Momo.
Se ele não tomar
eu mesmo tomo.

Uma hora tem carnaval

Não é natal
ninguém lembrou dos teus presentes
cumpadi
Onde federam suas meias
se nem o peru passaste do ponto?

Assim você se fode mesmo
admita, mendigue
se seu cabelo é crespo
toque viola
De noite chorará só um pouco
mas faz parte
tem gente que passa natal sozinho
se a família vive debaixo da terra
ou nunca viveu em olhos de festa
Sempre fará parte
de qualquer forma acontece
Se aconteceu na vida,
fez parte da vida
natal sem marte
reveillon na china
(Lá não tem ano-novo,
se for isto um estorvo)

Mas, depois disso tudo cumpadi
sempre vai ter carnaval
aí, meu cumpadi,
Ninguém fica mal
Riu?
O carnaval pode vir
errado, a qualquer hora
vivo na hora viva,
ou no fim da hora morta.



sábado, 22 de dezembro de 2012

Como eu amo essa mulher

Cara, como eu amo aquela mulher
A gente anda, come, dorme todo dia
e ainda consegue amar...
com a pressão
do abecedário da fome
fome de amor...
E ainda escreve o que bem entende
e ninguém pode fazer nada,
é inevitável, como um peso
que afunda sem isca
sem corda, pro fundão do mar...

Cara, como eu amo aquela mulher
escrevo e meus dedos esticam
de um gelo lá do norte
dos farejamentos suspeitos
que eu suspeito nao passar
das mesmices dos brincalhões
de gnomos que cirandam em meu peito

Cara, tem que ter colhões
pra amar essa mulher,
já fico louco, já vê?
de jogar pedra com colher
em avião de papel machê

Mas Cara, como eu ainda amo essa mulher
Eu bebo bebo bebo.
E ainda amo essa mulher,
quando acordo mais cedo
do que acordaria
se não amasse essa mulher.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Guilhotina

Degolei o dia
na voraz concordância
c'as demais alminhas
humanas perdidas
que a nossa vida já se ia
junto com a raiva do dia
e o triste falecer do sol
e nada faria mais sentido
se não dançássemos todos nus
do coito aos coices
uma última valsa da meia-noite
bebendo em orgias às panças
nossos baldes de desesperanças

Degolaríamos todos o dia
E a lua derramaria
seus abraços de petróleo môço
E, úmidos de suor e vida
Gritaríamos para ela
essa manhã não dormida...
Degolaríamos o dia de novo.

domingo, 16 de dezembro de 2012

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O fogo

O mar urbano secou
Nas ruas, as coisas submarinas
Murcham na bruma outonal
E as folhas pastéis brincam
De sobrepor insólitas cores
Sobre meu sapato que arrasta
as saudades espetadas
em nossa cama que se afasta
dessa triste ausência de sol ao meio dia,
desses surdos corredores onde luz já não há
Pois faz tempo, amiga
Que enrolamos juntos os tapetes encardidos
Para dentro da lareira
onde nada se renovará
- Até algum dia querida, até!
Nada se renovará nessa queima,
apenas o fogo.




terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Meu pedido

Todo dia estampo
Em meu romance policial
Procura-se um poema
Recompensa?
Os meus outros poemas...

Entrego mesmo
Sem dó nem piedade, de perdê-los para sempre
Sem o medo de todo futuro velhinho
De ao fim morrer sozinho

Deixemo-los voarem com os galhinhos arrebitados
As narinas respirando todo os cheiros dos mares
Soprando velas e velas entre os leitos das belas adormecidas, donzelas.

Pois o poema serve para isso
Ofegante e milagroso
Acordar o amor na ida
Sonolento e vagaroso
Dormir a vida na vinda


E, mesmo com ele, o meu
Tão procurado patinho feio
Morrerei sozinho em minha hora extrema
Pois até ele há de voar,
fugir bem no meio
do meu último suspiro.

Mas eu entendo e simpatizo
Poemas não morrem com seus poetas
Voam longe às outras terras
tranquilos, vão sem metas.

Pra que raios?

A gente vive pedindo informação
Pé no saco, dedo no botão
Pra que raios ir ao cartório?
Viva sem nome nem relógio...
Pra que raios o teu escritório?
Vivamos sem rumo, oratório!
Pra que raios serve a estação?
Vague sem rumo ,sem tostão...
Pois rumo e tostão
não foram as desculpas
nem de Eva e nem de Adão.


Tarde na Lavanderia

As máquinas de lavar giram
no redemoinho desembestado
E ninguém repara direito:
Elas choram os filho bastardos...
uns cuecões altaneiros.

E assim elas suam o dia inteiro
pelas gorjetas sensuais
se sobra uma calcinha
é banquete no refeitório das roupas!
E, torcendo meus miolos neste mundo de girar
Assisto, atônito, à criança que fui,
Dormindo dentro do louco giro
Como se vida nenhuma tivesse tormenta,
E ninguém mascarasse com gosto de menta
Os sonhos que ainda mastigo.


Perdido? Onde?

Estarei sempre perdido
Na rua escura
Num prato mal comido
Pois a fome jamais bastará...
E de acordo com o relógio do barco da minha namorada
sempre será tempo de pás:
Cavar, cavar, cavar...
"São horas! Acorda marmota! Quem vai viver por você?"
-Ninguém, deixa a vida viver por mim...
Pois nesse poço sem fundo eu não pulo!
Nem fo-den-do.
Só fico vendo os zumbidos.
Bato os meus dentes.
Dúvidas que jamais passarão!
E as pás a cavar
os meus cacos de sempre
Pra sempre no chão perdidos serão.



Não é saudosismo

O fogareiro azul me espera em casa
ironias do destino se o fogo não apaga
pois até de soprar nós já esquecemos.
Ele me espera há tantas almofadas de anos
que não lembro nem do seu preto e branco
E a minha velhinha
é a mesma adolescente
que arravanha as minhas costas
como grelhas latentes
e suas unhas cantavam uma bossa
de amor, de calor, de amor sem pudor
mas ninguém podia saber...

E as maçanetas, antes de girar,
já me lembram um frio de 1944
onde o pianista se fechava no quarto
e eu ficava só ouvindo os tristes bemóis
e à noite correndo de rubros faróis

E ainda dizem que eu nunca senti frio!
Bem nessa época que se gostava de milho!
...E eles choviam antes da pipoca
sobre as ricas, loucas cartolas
a disputar bilhar c'os flocos de neve...
E eu nunca vi a neve...

Não é saudosismo
se me permitem afirmar
É apenas aquela sensação
que vem de distância longa
como o barulho do mar
de dentro de uma concha.
É aquela sensação que dizem
que só sente o transviado
que nasceu no século errado
E uns poetas cobertos de fuligem...






segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Inutilidade

Sou inútil
Só quero parar
de incomodar meus amigos
que não são tão inúteis assim

Não ligam para certa bolota
de cartolina tingida
Meias molhadas dentro da bota
Uma estrela caída
da árvore de natal
Uma velha serpentina
que perdeu o carnaval
Um barco boiando sem água
Uma escada rolante parada
Um osso da sorte sem carne
Todas essas pequenezas
pequenizando sem alarde


Por isso junto minhas tralhas
Num baú de tranca quebrada
E me escondo sozinho
no caixão da eternidade
Parado ao fim do caminho

Mas, peraí,
você sabia que fumar
dá vontade de cagar?


domingo, 9 de dezembro de 2012

Ser Humano

Quando chego em casa
finito o castigo
tudo que faço é grunhir
como fazem os cães em comício..
e os mudos cansados do hospício
Tudo que faço é grunhir
ser todo demências
Tirar o sapato "babano"
E, pro fim das decências
enfim,
enfim ser humano.

Sonho de um intervalo de aula

Aconteceu hoje
Ou eu quis que acontecesse:

No intervalo da indecisão
- Aquele de café, cigarro e broa
de nenhum livro na mesa -
Pra contar gotas na garoa,
descemos, eu e a Princesa.


Em meio às contabilidades
Já nos sumia a cidade
E contávamos, em segredo
nossos cílios com orvalho

Mas, o nosso liso lago
desse doce espelhado
Virou tormenta num pulo!
Pois nos furou o casulo
um fedorento de terno e pressa,
que quase jogou a Princesa no chão
e saiu xingando o tropeção
"esses jovens só pensam em festa..."

Sonhei:

Eu iria lá e diria
"Seu grosso petulante!
Cadáver ambulante!
Não sabes pedir licenças?
Não sabes que uma Princesa,
se trata ;é como amor de verão?"

Aí eu ficaria com aquele ar grave, de
um gentleman que acerta a trave
A princesa puxaria meus olhos
com os seus de azuis brilhosos
"Tu és meu herói, sabias?"

E eu nada responderia.
Apenas o calor subiria.

Colocariamos-nos então num balão
Jogando rosas de longe ao chão
E recitaria meus finos poemas.
Nossos filhos a comer pão
- todos teriam os mesmos olhos azuis de gema.

Mas o sonho se foi nas brumas
E eu fiquei só no "iria",
subjetivando a bela do dia.

Entortei o cigarro,
e grunhi meus ventos frios
Enfim subi c'a Princesa
pequeno cabisbaixo.
Era o fim do intervalo.






sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Como fugir do adeus sem nenhuma lição

O adeus é feito ao avesso
da avidez do que não foi vivido
De um grito naquela manhã
em que o mundo está dormindo
Onde o grito não pôde ser grito

Digamos adeuses em linhas tortas
já que nunca é tempo de menos
pras desvivências que sonharemos...

Como cabeças que rolam pra trás
para a saudade que se desfaz:
Um olho no corpo que vai
o outro n'alma que fica, atrai


E se não deu tempo de dizer o tchau
ou desarrepender de um beijo final
Tranquilize seu adeus, pois
o pó é o começo e o destino da nuca
E o beijo é dado bem lá
Já que o nunca ao sempre será.


FOCO

Foco

Afinando o lápis esperto
A revoada das pernas
batem as portas do inferno

Desenho uma bunda

As nuvens m`engordam
Recorto a língua

Foco

Foco

Babujo café no papel
A vida esfria o meu réu
Até essa calma secar
Gemidos quebram meu vidro
e o sol embrulha um par

Desenho um amor-cozido

As folhas me cobrem
Afogo os ouvidos

Foco

Foco

Foco

Medindo as borrachas de lã
Defino os calores na neve
Mas um sapo verde de luvas
acena um conhaque que ferve
Meu aceno soluça na curva

Desenho o vazio

O gelo me escolhe
Mastigo meus olhos
Lá fora já chove

Sufoco





Miudezas da minha selva

Carneiro Otávio vivia dando cabeçadas nos outros. Um mau-humor carrancudo, escondendo o sonho por folhas de bananeiras risonhas. No fundo de seu encéfalo magoado, Carneiro Otávio só queria comer peixe frito enrolado nesses vegetais. E claro,com várias carneirinhas rosadas oferecendo os rabos a girar. Mas o sonhador não falava isso para ninguém e vivia pedindo mais ódio para o seu coração. Ele sempre cobrava a conta para si mesmo um pouco mais cara. O resfolegante coração torcia-se como podia para gotejar os seus últimos rancores.
Carneiro Otávio ficava então a ruminar umas folhas-sem-ser-de-bananeira.O amargor dessas folhas era buscado lá do fundo dos sabores mais ocres do inferno. E esses sabores viviam infestando a língua para-sempre-seca de Carneiro Otávio. Nada de peixe frito.
As cabeçadas aleatórias não eram costume de nascença. Começaram em certo dia de fim de mês. O excesso de sujeira nas ruas fazia Carneiro Otávio odiar ainda mais os ódios. Tudo era odioso. Neste triste dia ele tropeçou numa lata de peixe vazia, sem dono, ficando todo desengonçado. A trocação de pernas terminou com a queda e no encabeçamento vertical dele no chão. Orgulhoso, Carneiro Otávio fez do mundo o seu chapéu, daqueles que jamais se tira. E pôs-se a dar cabeçadas arrogantes em todos os desavisados que não abrissem alas nas ruas. Do poste ao padre.
Com o malogrado costume já bem aderido aos seus vícios, Carneiro Otávio afastava-se cada vez mais dos peixes fritos. Mal notou quando as coisas ficaram estreitas no meio-dia de uma quarta-feira de cinzas, bem quando o sol quicava em linha reta sobre as cabeças. Nesta hora de agulhas solares, Macaco Maurício, o garçon do país, veio cumprimentar jovialmente a carranca de Carneiro Otávio. O sorriso do cumprimentante fez explodir a desgraça do irritadinho. Os dois eram, no mesmo metro quadrado, um paradoxo em carne viva, os humores em exatos opostos. O mundo inteiro sendo dividido por zero.
A cabeçada certeira veio quando a mão de Macaco Maurício se estendia.
É de se imaginar que o ato fosse apenas um crime de agressão física, e que ainda poderia ser atenuado pelo atestado de ridículo. Mas infelizmente Macaco Maurício levou a trovoada de tal desajeito nas beiças, que os seus dentes entraram de volta na sua exposta felicidade. Ao beijar a testa ranzinza de Carneiro Otávio Macaco Maurício beijou também os lábios ossudos da morte. Tombou, morto, como uma panqueca salgada demais.
O assassino se fez de coitado, como se fosse vítima da tristeza. Se fez de pobre-coitado, com medo dos injustos soldados do tempo. Mas mesmo assim eles arrastaram Carneiro Otávio como um boneco de pano. E deu no que deu. Deu que ele recebeu a pena máxima, carimbada em sua testa dura: Pena de morte, com requintes de crueldade. E essa foi a sentença, proferida a todo-beiço pelos cem juízes em coro. Isso porque todos adoravam Macaco Maurício. E do todos agora abominavam o maldito Carneiro Otávio. Mesmo assim o preso teve o direito de escolher a sua última refeição. Na língua: Peixe Frito porra. Assim combinou e assim aguardou, sem nada para comer até o último dia.
Dizem as más línguas que os roncos abdominais do condenado eram tão medonhos que até o Urso Jó perdia o sono. Isso porque o esfomeado aguardou tempo demais no xilindró. Os juízes demoraram para decidir qual seria o requinte de crueldade.
Após muitas partidas de dominó decidiram que Carneiro Otávio seria fadado a morrer de tanto rir. Os juizes argumentaram, de terno e lábios sujos de maionese, que para gente de cara fechada, a pior tortura é rir. Suas barrigas filosofavam bem. Os cem homens da lei também gostavam muito de Macado Maurício e deram o melhor de si nesse caso.
No dia em que a confusão consumaria-se, Carneio Otávio resplandecia no cadafalso, com uns grampos abrindo-lhe os olhos forçosamente, para que ele visse tudo. Ele aguardava pelo peixe frito diante de uma multidão fofocante. Algumas pessoas despirocavam de ódio. O resto odiava em silêncio. As crianças choravam.
Subitamente veio a dessurpresa que mudou tudo: Sem o bom garçon Macaco Maurício para servir o Peixe Frito, como a comida chegaria até Carneiro Otávio? Pois bem, não chegou. O peixe foi jogado de volta no rio e Carneiro Otávio morreu com fome, mas não de fome. E nem de tanto rir. O condenado não moveu uma lágrima durante a performance humorística da Arara Joana. Nem com gás do riso. Metade da platéia ofegava de tanto rir, o que é um fenômeno rude, ou ao menos macabro, tratando-se de uma execução. Haviam risos em todo canto. Menos no canto da boca de Carneiro Otávio. A outra metade da platéia que não ria da renomada humorista Arara Joana, clamava por torturas sanguinolentas.
Sem saber o que fazer, o excelentíssimo Sapo Augusto - Juiz-mor - achou a derradeira dessolução. Sacou a sua pistola premiada e encerrou logo com aquela polêmica. Carneiro Otávio enfim fechou os olhos arregalados. Só não fechou o terceiro olho, que acabara de abrir. Este último chorava solitário uma lágrima vermelha.
Enquanto os demais juízes dispersavam a multidão questionante, Sapo Augusto e Arara Joana foram discretamente jogar o corpo de Carneiro Otávio no Lago Municipal.
O que me assusta é que, de tempos em tempos, pescadores duvidosos dizem por aí que pescaram esqueletos intactos de alguns peixes no mesmo Lago Municipal. Esqueletos sem carne nenhuma, mas quase vivos. Ainda sofrendo os últimos espamos do terror da morte recente.

Prólogo

Sapo Augusto só foi reeleito após mudar o nome de Carneiro Otávio para Carneiro Otário, em todos os documentos, citações póstumas e registros púbícos do assassino. Nem a certidão de óbito se safou. A reeleição foi comemorada com foguetório, muito peixe frito e muita bebedeira. Sem garçon pra servir, a comida foi só enfeite. Todos se divertiram. Se divertiram tanto que deixaram para trás as histórias dos pescadores, de Macaco Maurício e de Carneiro Otávio.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Coragem Moderna

Tomei leite com Toddy a vida inteira
Hoje eu tomo cerveja
Nunca tive coragem de colocar toddy na cerveja

Eu comi com colher a vida inteira
Hoje é garfo e faca
Nunca tive coragem de encolheirar coisa séria

Eu sentei no chão a vida inteira
Hoje eu uso a cadeira
Nunca tive coragem de cair da cadeira

Eu tive medo de pivete a vida inteira
Hoje comprei canivete
Nunca tive coragem de matar um pivete

Eu chorei por amor a vida inteira
Hoje eu faço chorar
Nunca tive coragem de me declarar

Eu tive coragem a vida inteira
Hoje eu não tenho nada
Nunca tive coragem de me encorajar