Havia um osso no meio do caminho
No meio do caminho havia um osso
Desnudo, o osso
que surgiu em meu caminho
inssosso.
Descarniçado e feinho
pelado e roído
três vezes comido
e os fiapos saindo.
O gordo da casa
o cão do quintal
e os micróbios
da derradeira algazarra.
Solitário no chão
enfim descansado
Sua negação
seu atestado
de banquete finado.
Esse reles ossinho
que foi de vida à lixo
Me é tão fino
Imagina quando encaixava
a perna de um pintinho!
Quantas venturas passou
sós no mundo
sem seu esqueleto
seus demais companheiros
Do ferro laminoso
a presidiário na indústria
por demais embalado
e depois traficado.
Quanto calor não sentiu
nas águas ferventes
A lágrima diluiu
aquela bem crente
quee um dia veria
seu corpo, seu lar
que enfim voltaria
Mas coitado
foi tão maltrado
arrancam-lhe as roupas
em público na mesa
ninguém lhe ama lhe poupa
e depois vira presa...
Os micróbios calados
seguem então o roteiro
que a natureza escreveu
e o osso largado
já bem magoado
apodreceu.
Então paro eu
mergulhado neste vão
na profunda especulação
Eu posso pegar
presse osso ser meu?
Poderia emprestar-lhe a perna
uns ossos jovens e amigos
pra sacolejarem este morto
subir cada morro
da minha belo-horizonte
voar de avião talvez
ver o mar uma vez !
Amigo imagine
quero que ele sorrie
pulse sangue e vigor!
E lhe cesse essa dor
Se contento o osso
pode vir a dar carne
e parir ossinhos carnudos
um bom naco parrudo
e me recompensar
quiçá me ajudar
a dar de comer pras crianças
dar jantares em casa!
Qual boa aventurança!
Talvez me dê asas de ave
e me leve ao longe
de encontro ao sol!
Qual ïcaro de creta
a morrer em festa!
Fora da moribunda cama
e do tédio de quem não ama
Acordo.
Fui longe a sonhar
já chorava estrelas
e espuma do mar!
Quanta coisa boba!
limpo a baba
e encaixo a boca.
Já perco a hora
e a sanidade
Largo o osso
a sujar a cidade.
Suas moléculas se vão
e um dia voltarão
ao pó do esboço
e talvez volte a ser osso
ou pedra
ou eu
ou você.
Deixo o osso
no caminho
e sigo ao trabalho
roer o meu osso diário.
Sou molécula
dessa cidade fedida
também apodreço
ao correr da minha vida.
Talvez vire pétala
de uma flor
ou de uma boceta.
Ou talvez um cometa
para enfim chegar
ao final do meu rol
e poder me tornar
o fogo do sol.
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