Você é comunista ou capitalista? Às favas com essas perguntas! Essas esteriotipações são as indagações mais cretinas que alguém de senso pode escutar. É quase um prelúdio de uma provocação fraca, se não já é a própria. Como uma indignante pessoa vai classificar outra com um adjetivo desses? Comunista e capitalista são teorias sociais, tipos de sociedades, modos de produção idealizados, descritos no papel e pinçados no nosso mundo. Não existe ser humano comunista ou capitalista, o homem é apenas um ator num cenário dado. Não que ele não possa mudá-lo, mas ele o faz em companhia com todo o conjunto social, ou boa parte dele, no qual ele se insere.
É a mesma falácia que dizer que uma árvore tem cento e cinquenta cilindradas (150cc). O que possui cilindradas é um motor de pistões e explosõe novas. A árvore pode ser bonita, verde, seca, grande ou pequena, mas não terá 100 ou 150 cilindradas.
Uma das coisas mais ridículas que eu já ouvi foi que um homem é capitalista ao viver numa sociedade capitalista. Primeiro: para dizer isto, a pessoa usa termos mutantes e interpretáveis, o que seria uma sociedade capitalista, à que ponto ela é e à partir de que ponto ela adquire características distintas do polêmico capitalismo?
Segundo, e mais profundo: o que é ser capitalista?
Diante das várias possibilidades ramificadas, vou enumerar novamente meu pensamento, à fim de facilitar o entendimento:
Primeiro - Aquele que detém o capital e, portanto, o poder. Aqui já
colocamos em cena a questão do monopólio. Quem tem o capital, protege
ele e impede que outros o tenham também. E o típico magnata ou banqueiro
que é muitas vezes encarnado na pele do Lúcifer, como o todo-poderoso
maquiavélico que vive abaixo do submundo vilanesco e acima dos céus, num
patamar quase inalcançável de poder e riqueza, imune a qualquer justiça
dos homens. Um grupo muito simbólico e limitado.
Segundo - Conduta que visa acumular capitais, através de todas as formas de lucro, que devem ser sempre maximizadas. Eis aí a típica definição do capitalismo selvagem e seus insaciáveis concorrentes. Neste caso são englobados todos os irrascíveis competidores, um grupo mais abrangente, que possui como característica princípal a intenção, o espírito capitalista acima de qualquer ética.
Terceiro - O sujeito comum, que ganha seu salário mensal, vive mediocrimente e não questiona absolutamente nada, apenas deixa o fluxo lhe carregar, sonhando um dia ser rico e comprar seus grandes sonhos. Essa categoria já adiciona os iludidos, aqueles que acreditam num mérito sem nem ao menos tê-lo. Inclui grande parte da sociedade atual, principalmente da classe média para cima. Um grande número de pessoas inertes e não-pensantes, que exclui aqueles que questionam o modo de produção. Não que necessariamente sejam contra ele, mas que consigam enxergá-lo como um fenômeno social presente e que não é absoluto e onipresente. Sabem que ele é mutante e que tem suas falhas.
Quarto - Essa última categoria, digamos, saco estereotipador onde jogamos os seres humanos, é o principal alvo da minha crítica. Não vou expandir meu texto dentro desse parágrafo descritivo, e outras considerações à cerca dessa minha divisão de estereotipagens que são comumente vistas nas opiniões pessoais, colocarei mais à frente. Nesse grupo mais abrangente, um pouco atrás do grupo que poderíamos chamar de "o Todo", encontram-se todos aqueles que consomem, vivem em padrões culturais distintos do homem-animal. Há casos em que incluem-se até monges budistas que vivem em seus retiros espirituais apenas por vestirem roupas, suas túnicas e por viverem em construções civis, seus mosteiros. Essa estereotipação inclui todo o ser humano consumista, que usa seu dinheiro para viver, ter conforto ou facilitar o dia-a-dia. Quem está fora disso? Apenas os eremitas que vivem em cavernas por aí, em completo isolamento. Essa visão é bem pior da daquele ser humano inerte que enquadramos na terceira categoria. Pensar assim é mais do que um determinismo, é uma ignorância. E é sobre essa aberração metodológica que descorrerei à seguir.
Antes de começar, apenas concluirei dizendo breves notas. Uma quinta categoria foi excluída, justamente aquela do "Todo", pois seria o mesmo que igualar homem e capitalista. O que torna desnecessária qualquer outra explicação. Além disso, queria deixar claro que o que eu coloquei acima foram estereotipações de visões estereotipadoras. Estou separando e categorizando diversos tipos de pensamentos supérfluos que eu acho muito recorrentes em nossa sociedade. É apenas uma classificação de como as pessoas julgam se as outras são capitalistas ou não, e digo isso tendo como pressuposto, logo na introdução do meu texto, que diagnosticar um homem como capitalista ou não é um erro. É um erro porque capitalista é uma sociedade, um modo de produção muitas vezes classificado e caracterizado, uma teoria visionada no mundo atual.
Após o meu primeiro exemplo sobre atribuir cilindradas a árvores, vou discorrer sobre a não compatibilidade entre homem e o adjetivo 'capitalista'. O homem é um agente social, moldado pela sociedade em que ele nasce. Dentro do seu papel de agente social está a ação, e não a inércia. Ele pode mexer-se, pensar, questionar e congregar ideias e forças, mas devemos separar as ideias e ações desse agente social, da sua condição de vida. Por bem ou por mal, o homem continua sendo um produto do seu meio social. Podemos diferenciar homens de bom e mau caráter, entre espertos e ingênuos, inteligentes e ignorantes, ambiciosos e acomodados, etc. São essas características psicológicas, familiares, éticas, individuais, que vão determinar o comportamento de cada agente social em cada papel social exercido por ele em determinada sociedade.
Um governante pode ser corrupto ou não, um empresário pode sugar seus empregados ou não, ou pobre pode roubar ou não. Essas questões estão no âmago da individualidade e do instinto de cada ser humano como peça única num conjunto social. A sociedade capitalista joga o ser humano no espectro do consumo. E ele precisa sobreviver dentro deste espectro, ou seja, existem fileiras e fileiras de produtos de boa e má qualidade, alguns apenas símbolos de ostentação e outros são de primeira necessidade. O fato de um homem ir atrás de conforto ou status não significa a ausência de crítica ou pensamento questionador sobre aquela sociedade de consumo em que ele vive. É apenas o homem continuar seguindo seu caminho humano dentro dentro do seu meio social, como um mero produto dele, todo homem é um produto do seu meio e isso não o leva a 'ser' esse meio. Não é hipocrisia um trabalhador que ganha R$10.000 por mês atribuir um pouco de conforto extra para sua vida e, ao mesmo tempo,criticar a desigualdade social e defender melhores condições de vida para as pessoas que não tiveram a mesma oportunidade ou mérito e por isso ficam impossibilitadas de consumirem.
Não raro um idiocrata questiona para o questionador: Porque vossa bondade esquerdista não doa metade do seu salário para que outra pessoa tenha melhores condições de vida e construamos assim o mundo perfeito que vossa bondade tanto sonha?
Está pergunta é tão estúpida que não tem uma resposta tão burra e curta quanto a própria pergunta.
Mas enfim, responderei ela da melhor maneira que for conveniente para mim.
Primeiro, de onde vem está pergunta? Qual é o seu embasamento lógico que permite que ela seja compreendida, concordemos ou não. Respondendo simploriamente, ela vem do princípio de "faça com o outro o que você gostaria que fosse feito com você", ou "cada um faça a sua parte", " de grão em grão a galinha enxe o bico", "torne suas palavras, suas ações", etc. Esses jargões mágicos que dão base lógica para um questionamento desse nível, por isso que entendemos o seu sentido. São apenas morais de conduta, mas que, embora possam ser construtivas às vezes, carecem de qualquer pragmatismo, melhor dizendo, não têm consistência o suficiente para oferecer qualquer credibilidade de ação coletiva positiva com um objetivo positivo no futuro. Por exemplo: quem garante que se a galinha comer um grão, ela conseguirá achar o outro; e se ela escolher o grão errado?; e se o grão não for dela?; um grão levará ela ao outro?
Parece um argumento bobo, mas faz todo o sentido. Estou apenas metaforizando algo que realmente é muito simples, se não fosse simples, não poderia ser explicado nessas palavras lúdicas. Caso eu doe metade do meu salário para os pobres comerem, estou gerando alguma solução para o problema? Estou eu deixando de ser capitalista para me tornar comunista? Deixando de ser hipócrita? Não, não e não.
Um homem, como produto social do seu meio, age para mudá-lo dentro dos seus limites e dentro das possibilidades de não censurar a si próprio. Ele não vai abrir mão de sua individualidade em prol da individualidade do outro, numa ação direta como dar esmola. A ação deve partir de um indivíduo, dentro de um conjunto, e desse conjunto para o conjunto do meio. É a plena ideia de democracia em pensamentos e ideias. Ideias levam a ações coletivas, e apenas o coletivo muda o todo. De que adianta um homem que pensa diferente continuar agindo sozinho, dando soco em ponta de faca.
Essa linha de argumento, cai na provocação inválida da acusação de hipócrita, por isso segue um caminho simplista. Proseguindo, há outras problemáticas. Por exemplo, essa espécie de argumento é muitas vezes dirigido à quem tem relativamente muito pouco capital acumulado, o que conflitua pesadamente com o interesse individual de quem naturalmente preocupa-se com a própria qualidade de vida, mas continuamos dialogando na provocação. Saindo dela vou aprofundar-me em outras áreas argumentativas.
O âmbito dessa crítica à hipocrisia do "esquerdista" é restrito, pois um ser humano insatisfeito com o sistema em que muitas pessoas não tem qualidade de vida nem acesso aos bens materiais, está igualmente insatisfeito com ou a própria carência, ou com o fato de ele ver pessoas em situação abaixo da dele, em que ele se vê impotente. A consciência do homem pesa não no sentido de que ele deveria estar doando, e sim no sentido de que se ele doar, ele não vai estar mudando em nada o sistema em si. Claro, mas é claro, que as doações e ONGs são fundamentais, mas são sustentadas por quem dedica a vida a isso ou então por quem tem capital sobrando, mais do que precisa para se satisfazer ou do que quer. E isso já concerne à individualidade de cada ser humano, o que já repele qualquer atuação crítica deste argumento aqui questionado (criticar um esquerdista por não agir repartindo seus bens, chamando-o de hipócrita). Ora, estamos lidando com um todo, com uma intenção de mudança para uma sociedade inteira e suas ideias. Ater-nos a aspectos individuais acaba sendo um entrave para uma crítica que deve ser observável num panorama macroscópico, generalizado. Pois bem, criticar quem não doa não faz sentido porque justamente nenhuma mudança ou estado de coisas pode 'contar' apenas com isso. Aspectos indivudais devem se restringir a bônus positivos ou desavenças negativas, para os quais o argumento total, a sociedade em si, deve estar já preparada. Um exemplo claro é imaginar uma sociedade em que os pobres são dependentes apenas da filantropia, como se ela oferecesse alguma segurança de vida e assistência permanente à sociedade.
Então repito, é incosistente criticar essa não-atitude de um homem frente a seus ideais, simplesmente porque essa atitude não caminha em direção aos seus ideais, sendo mais uma sustentação de uma situação "suportável" ou até mesmo "confortável", ou seja "fazer doações para amenizar a calamidade pública ou tentar nivelar a sociedade". Desse modo o doador pode querer se isentar de outras atitudes, como se houvesse feito a sua parte, acarretanto inclusive o ausentamento do pensamento crítico dele, que pode ser levado a acreditar que essa e a solução para os problemas que ele abomina na sociedade. Além disso, essas "amenizações" escondem parcialmente o "problema em si", escancarando uma realidade talvez mais aceitável num determinado aspecto e num determinado lugar. Essa maquiagem que pode ser feita na imaginação do próprio doador quando na imagem que uma comunidade passa a ter de si mesma (No pensamento do filantropo, que pode imaginar o seu papel como cumprido e o problema social como "chutado para longe dele", ou então na transformação pontual da própria realidade sensível, como a construção de uma escola por um filantropo que melhore a situação de apenas 20 crianças entre milhões delas, ou então na existência de uma cidade/país modelo devido à existência de situações positivas específicas, mas que não se aplicam no todo social mundial) leva à uma retração da própria crítica ao sistema que é a raiz dos problemas discutidos, uma vez que os problemas somem temporariamente, sendo maquiados. Assim, a crença cega nessa dever de atitude individual acaba tendo um efeito contrário à própria ideia do questionador individual. Elimina dele mesmo a crítica anteriormente feita por ele, e norteadora de suas ideias. Vale ressaltar que não critico aqui a filantropia ou a divisão de bens segundo critérios individuais, são muito benéficas. A crítica é direcionada à alienação que existe ao tratar esse tipo de ação e comportamento como uma solução para o problema social de nossa sociedade. A falácia não está na ação filantropa em si, e sim na crença de que reside nela o caminho para uma solução perene para os problemas sociais, ou um caminho para essa solução. Não se pode depender desse tipo de ação e muito menos associá-la necessariamente à quem defende uma maior igualdade social, como conduta obrigatória para legitimar o pensamento.
Uma outra forrma de pensar a crítica à acumulação de capitais, é observando que ela não é feita diretamente a quem o acumula o capital (simplesmente pelo fato do indivíduo acumular) e sim ao sistema que facilita e legitima esse tipo de acumulação absurda que ocorre mundo afora.Podemos criticar o indivíduo acumulador em outras esferas, como: se ele prejudicou os outros, se ele se favoreceu, de que forma ele fez essa acumulação, etc.
Indo mais além, o cerne da questão é: Alguém que é contra a acumulação de capital e a desigualdade social, combate esses fatores ao deixar de consumir bens 'supérfluos'?
Abrirei dois caminhos agora: O primeiro foi desenvolvido anteriormente, o de repartir os próprios bens. O segundo é sobre o consumo de bens supéfluos e o consumismo
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